3ª Feira Literária do Sertão (Felis), em Arcoverde, leva a cineasta Kátia Mesel e o roteirista Nélson Caldas Filho para dialogar com o público, dia 26 de outubro, às 18h30, na Praça Winston Siqueira
Audiovisual e literatura sempre trocaram figurinhas. Mas nem tudo é preto no branco: as palavras contidas em um livro não vão para a telona de forma literal. Afinal, como resumir uma obra de 500 páginas em duas horas? Esse, porém, não é apenas o único dilema. “Muita gente assiste a um filme baseado em um livro e comenta ‘gostei mais do filme’ ou ‘o livro é melhor’. Não dá para fazer esse tipo de comparação pois são linguagens diferentes”, explica o roteirista Nelson Caldas. Ele estará ao lado da cineasta Kátia Mesel, dentro da programação da 3ª edição da Feira Literária do Sertão (Felis), na Praça Winston Siqueira. O evento é uma co-realização da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) com o Coletivo Cultural de Arcoverde (Cocar). O Diálogo Alimentação e Identidade, dia 26 de outubro, às 17h30, ocorre na Praça Winston Siqueira.
O cinema é uma das muitas linguagens que dialoga com a literatura dentro da Felis (ver programação ao final da matéria). Realizada em Arcoverde de 24 a 27 de outubro, nesta edição a Felis aborda o tema
Literatura, Preservação e Memória. “O atual momento político do Brasil e do mundo reflete uma tendência ao revisionismo da história e a literatura pode ser um grande antídoto à tentativa de se apagar o passado. Há também uma discussão local que a Felis propõem uma reflexão geral: estamos cuidando da nossa memória patrimonial?”, destacou Kleber Araújo. É o primeiro evento a ser realizado dentro do Circuito Cultural de Pernambuco, que reúne ações da Cepe, Secretaria de Cultura de Pernambuco e Fundarpe nas diversas linguagens artísticas. Serão mais de 40 horas e quase 60 atividades dentro de uma programação totalmente gratuita, que abrirá espaço para lançamentos de livros de autores locais e convidados, palestras, rodas de conversas, debates, apresentações musicais, oficinas, teatro, dança e gastronomia.
A cineasta recifense Kátia Mesel enxerga a proximidade entre audiovisual e literatura a partir do roteiro. “No início de um filme tudo é escrito: primeiro o argumento, depois o roteiro. O cinema já nasce com a palavra escrita”, observa Kátia. Mas como nasce o roteiro? “De uma fofoca sai um mito, depois um livro, a seguir um filme. Essas trajetórias fazem parte da humanidade”, acredita Nélson. O pernambucano é roteirista da TV Globo e já adaptou 20 novelas da emissora para DVD. “A novela possui a linguagem de ganchos. Por isso acabo contando a minha novela dentro de outra novela. Conto minha história como acho que deve ser contada”, explica.
Premiada internacionalmente, Kátia é reconhecida como a primeira diretora pernambucana, e já realizou mais de 300 filmes, desde a década de 1960. Mas dessa gama apenas três foram inspiradas em obras literárias, o que não exime o realizador de inevitavelmente produzir literatura ao escrever o roteiro. “Cacá Diegues, por exemplo, é membro da Academia Brasileira de Letras por causa dos seus roteiros”, ressalta.
Isso, claro, para quem realiza filmes da maneira formal, como Kátia ressalta. “Sem esquecer de todas as licenças poéticas para uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Para resguardar a autoralidade da obra cinematográfica é preciso registrar por escrito”. Dentre os filmes inspirados em literatura, Kátia destaca seu premiado documentário Recife de dentro pra fora (1997), inspirado no poema Cão sem Plumas (1940-1950), de João Cabral de Melo Neto. “Basear-se em uma obra escrita por outra pessoa é desvendar seu conceito. Fiz grandes transtornos na obra poética. Mudei o sentido do rio, troquei estrofes de lugar. São olhares reversos”, explica a cineasta, que depois se encontrou pessoalmente com o autor e ele disse: ‘A obra de arte é como um filho. Depois que você coloca no mundo não é mais sua’”.
Kátia também fez outras duas obras inspiradas em literatura. Rosana (2008) é baseada no livro de poemas de Cida Pedrosa, As filhas de Lilith (2008). Já Oh de Casa (1985) é baseado em textos de Gilberto Freyre, e traz imagens do escritor.
Apesar de íntimas, para Nélson literatura e audiovisual são duas narrativas totalmente diferentes. “O importante é não haver preconceito entre as linguagens. É uma linguagem em cima de outra linguagem”, diz. O filme Através da Sombra (2016), dirigido por Walter Lima Jr. e com roteiro de Nélson Caldas Filho, é inspirado no clássico livro A volta do parafuso (1898), do inglês Henry James. “O desafio foi transportar para outra época”. No momento, o roteirista está adaptando o conto A queda da casa de Usher, do escritor americano Edgar Allan Poe. “Trago ele para o litoral recifense do começo do século 20”, adianta o roteirista, para quem a maioria dos filmes que assistimos são baseados em livros. “Só que são títulos desconhecidos, portanto ninguém se dá conta”.
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