Carlos Alberto Cavalcanti*
Arcoverde é uma cidade bem dotada de memorialistas. Há uma boa bibliografia na qual seus autores enfocam – em prosa ou verso – suas reminiscências sobre pessoas e fatos que representam um mergulho no rio caudaloso da saudade de Olho D’Água dos Bredos, Rio Branco e, agora, Arcoverde.
Dentre essas obras, O BAÚ DE ARCOVERDE tem presença garantida na lista de leituras, posto que o autor, William Pôrto, cronista vocacionado desde os tempos que não passava de um Piolho, denominação carinhosa com que era tratado pelos muitos amigos de conversas avulsas, é um arcoverdense sentimentalmente agregado a essas lembranças.
Para a felicidade geral da Terra do Cardeal, William dispõe de uma memória extraordinária que, aliada ao talento para a redação minuciosa dos fatos, deu-nos, como produto final, esse livro fantástico que hora chega aos 35 anos de sua publicação inaugural.
Com certeza, a obra está a merecer uma nova edição para coroar esse longo tempo de existência, sobretudo porque livros assim não são expostos na vitrine das livrarias, sempre ocupadas em mostrar os chamados best seller, alguns elevados a tal destaque pela força do poder promocional que reúne, a um só tempo, escritores, editores e publicidade em favor de uma obra, às vezes, de pouco teor literário.
Mesmo em cidades maiores, há um descaso para com os escritores locais, cujos livros ficam num recanto de pouco acesso, enquanto lá na frente, as “obras” são expostas com requintes chamativos.
Lembro que a UBE, no Recife, encaminhou um veemente protesto aos proprietários das principais livrarias da cidade, no sentido de garantir um espaço respeitoso para com as obras de autores pernambucanos.
Ao abrir o BAÚ DE ARCOVERDE, o leitor vai encontrar uma coletânea de textos que escavacam nossas lembranças até o mais interior dos recantos. William, a exemplo de um explorador de pepitas, vai sacudindo sua peneira cuidadosamente, para que não se perca nenhum detalhe do relato colhido lá no fundo do baú da saudade.
A obra vem ancorada por comentários introdutórios. Logo nas orelhas, temos as palavras de Anna Karenine (filha de Wiliam) que, com a firmeza de quem leu os originais, confirma a desenvoltura do autor dos escritos: “são crônicas das mais diversas – relatos e descrições telúricas mescladas de humor e nostalgia”.
De fato, William é um escritor que se fez ao longo de inúmeras e variadas leituras de obras literárias. Construiu uma carga afetiva que vem refinada por essas leituras e pela interação constante com pessoas do seu círculo familiar e de uma vasta lista de amizades.
Tudo isso representa o seu histórico de vida que, com certeza, é bem mais amplo do que o histórico da rotina escolar. Tanto assim que, com base na soma dos textos publicados nos jornais por onde teve passagem, imperiosamente os amigos fizeram coro no sentido de que William reunisse o material num livro. Anna Karenine afirma: “William Pôrto, inegavelmente, é uma das maiores expressões do jornalismo interiorano”.
Um outro nome se levanta em defesa dessa afirmação, até porque um dos incentivadores para que essa publicação se tornasse realidade. Trata-se do também cronista Boanerges Pacheco, por muito tempo colaborador do Jornal de Arcoverde.
No prefácio do Baú de Arcoverde, Boanerges afirma sobre a construção da obra: “Repontam a singeleza criativa de oportuna mensagem, a autenticidade das palavras enxutas e o rico conteúdo de pensamentos calcados em reminiscências expressivas […] nas referências a pessoas queridas e episódios relevantes”.
William Pôrto corresponde amplamente ao respaldo dessas opiniões na obra que agora chega aos 35 anos de publicação. Estruturada em quatro blocos, no primeiro deles temos 15 textos reunidos pelo subtítulo: BAÚ DO PASSADO. Abre essa lista: A CASA DO MAJOR (p. 13), talvez o mais intenso em dose de emoção, pois trata diretamente do ponto de partida da vida de sua família em Arcoverde.
Em seguida, dois textos tratam de sua vida escolar: GINÁSIO CARDEAL ARCOVERDE (p. 25) e A ESCOLA DE DONA LAURA (p. 45). São relatos confessionais de muita sensibilidade narrativo-descritiva com que William se refere a Dona Laura Rabelo, diretora da escola (onde William estudou antes de ir para o Cardeal) e ao padre Delson, já no Cardeal, onde ele elenca, com detalhes de um fisionomista profissional, as características dos professores da Casa.
O segundo bloco, com o subtítulo: NOSSA GENTE reúne, em 14 textos, descrições bem dosadas de detalhes quase fotográficos sobre personalidades variadas da comunidade. Mais uma vez William trabalha como um escultor que tem que entregar a encomenda contratada com a fidelidade correspondente ao modelo original.
Não há como não “ver” João Miudinho jogando bola em Sertânia ou exercendo sua atividade de advogado ou mesmo discursando na Câmara de Vereadores de Arcoverde, como está em: CAMARADA JOÃO MIUDINHO (p. 67).
Não há como não se “sentir” dentro da Tipografia Prima, de Napoleão Arcoverde, ali na Antônio Japiassu, cercado por caixotes de resmas de papel e aquele cheiro forte da tinta das máquinas impressoras que chegava às narinas logo ao entrar no recinto. Ali estava Napoleão: “pessoa fechada, dura, intransigente, séria”, assim o descreve William em: NAPOLEÃO DA PRIMA (p. 81).
No terceiro bloco, com o subtítulo: NOSSAS CAMPANHAS POLÍTICAS, William consegue nos levar para os comícios e passeatas que ocorriam naqueles tempos já guardados no BAÚ DE ARCOVERDE. Da lista que compõe essa seção, menciono: ÁUREO x GIOVANNI (p. 123), posto que reúne uma queda de braço entre duas forças de peso na História das campanhas políticas arcoverdenses. Década de 70 do século XX. Tempos difíceis na política.
O embate municipal estava acirrado. Mas a decisão veio mesmo do povão que se vestiu de azul e acompanhou o professor Giovanni rua a rua, bairro a bairro, em memoráveis e impressionantes passeatas. William, com a isenção de um jornalista, a despeito de que um dos candidatos era seu irmão, conta tudo.
Por fim, o quarto bloco intitula-se: ARTIGOS ESPARSOS e contém 16 textos. São oriundos de publicações já estampadas nas páginas de jornais regionais, também no Jornal do Commercio.
Vale a pena citar: CARTA AO ZÉ NINGUÉM (p. 159), texto inicialmente publicado no Jornal de Arcoverde (30/06/86), no qual William se dirige a um leitor hipotético e se abre com ele sobre a situação da vida em geral e da vida político-administrativa do País.
Há traços de lirismo e de indignação na fala do autor do texto (talvez uma voz coletiva aí acoplada à voz do narrador) que, igualmente, reverbera não aos olhos-ouvidos de um só leitor, mas se amplia a múltiplos olhos-ouvidos. A força do texto ultrapassa as fronteiras do tempo e parece ecoar na atualidade.
Concluindo, reiteramos nossa admiração pelo autor de BAÚ DE ARCOVERDE. Mesmo distanciados geograficamente, temos muito em comum nessa vinculação telúrica por Arcoverde de qualquer época.
*Carlos Alberto de Assis Cavalcanti, natural da cidade da Pedra – PE, nasceu em 28 de fevereiro de 1955, é casado com a sra. Jaci Ferreira Lira Cavalcanti; Professor do Centro de Ensino Superior de Arcoverde – PE, área de Letras. Mestrado pela UFPE. Autor de: Itinerário Poético – poesias – Menção Honrosa no Concurso Nacional de Poesias da Academia Pernambucana de Letras [2001]; Em 2012 recebeu o Título de Cidadão Arcoverdense. É detentor de vários prêmios nacionais nas modalidades: poesia moderna, sonetos e trovas. Tem poemas incluídos em diversas antologias nacionais, por conta de premiações em Concursos Literários. Associado à UBE (União Brasileira de Escritores); Membro Correspondente de Academias em Cachoeiro do Itapemirim – ES, Ponta-Grossa – PR e Rio de Janeiro – RJ; Delegado Municipal da UBT [União Brasileira de Trovadores].
Fonte: enfoquecultural.com.br.
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