Carlos Alberto Cavalcanti*
A obra veio a público em 2000. Autor: Giovanni Porto. Mais de 30 textos memoriais construídos com a qualidade estética e metódica de quem conhece a História e dela foi um protagonista de peso, seja no exercício do seu ensino nas escolas da cidade, seja quando fez História no exercício do mandato de prefeito arcoverdense, tendo deixado, nas duas atividades, um legado de inestimável valor para o município.
O livro traz, no prefácio, a palavra abalizada de um grande das Letras pernambucanas, o escritor e médico Rostand Paraíso, do Recife, cronista conceituado, falecido em 2019. A partir da própria capa, onde uma bela e saudosa foto mostra um flagrante da Estação de Trem Barão do Rio Branco, passando pela leitura do sumário, que serve de entrada nessa viagem de volta ao passado, o livro projeta, no leitor, as lembranças do autor. Há como que um encontro marcado entre autor e leitor numa sequência de lembranças introjetadas na larga vivência do autor e compartilhadas com leitores de todas as idades.
Ao anunciar que “nestas páginas se encontram apenas pensamentos e lembranças”, o autor prepara o leitor para acompanhar o seu trajeto memorialista que preliminarmente se organiza em três blocos distintos da escrita do professor Giovanni Porto. Num primeiro momento – ou na primeira metade do livro – há uma reunião de textos reflexivos, nos quais o autor se detém sobre conjecturas existenciais, com uma forte carga emotiva recheada de nuances filosóficas. Diz Giovanni que “os ascetas rirão dessa autoindulgência” com que se vê enredado após assumir
esse olhar filosófico sobre a vida.
Em seguida, o autor se ocupa diretamente em ajustar a criação textual à sensibilidade que lhe é peculiar, passando ao registro das lembranças que lhe ocorrem e são responsáveis pela pulsão das emoções. Diz ele: “O escritor é, também, um narcisista, a olhar-se demoradamente no seu espelho”. Não está só, pois o Dr. Rostand Paraíso, prefaciador do livro, afirma ter um “gosto proustiano pelo passado”.
Então, procede a afirmação de Giovanni Porto ao dizer: “Aqui cravo as minhas estacas e armo a minha tenda”. De modo que, disposto a “viver sem a sofreguidão do desespero e sem a inatividade da melancolia”, Giovanni escreve com a firmeza literária de um cronista experiente, atento aos ditames da Língua e, sobretudo, senhor do trânsito entre as palavras e sua sinuosidade semântica.
Assim, logo à página 48, Tempo do Big Brother, ele abre suas confidências memorialistas referindo-se ao Recife do seu tempo de estudante, tema que reaparece em A Pensão de Nana, página 53. Mas é a partir de Rio Branco, página 69, que o autor se volta diretamente para as memórias arcoverdenses, assunto tratado em mais 15 textos que são antológicos pelo grau de profundidade histórica e sentimental.
Giovanni nos transporta, com seu jeito de narrar abrindo o coração, ao exato momento do que é relatado, e nos inclui na narrativa, uma vez que nos faz reféns de sua saudade. Seria redundante tentar exemplificar tal sensação com uma ou outra citação, pois todos os textos são fortemente carregados por esse estado de retorno ao passado.
Mas não há como omitir que a leitura de A Farmácia do meu tio (p. 97), quando se refere ao Sr. Florismundo e aos caixotes contendo remédios e folhinhas (calendários distribuídos no final de cada ano), reafirma a fugacidade do tempo, para o qual não há remédio que cure; ou ao ler na página 105: Estação Barão do Rio Branco, parece que estamos ali na plataforma, a olhar o entra e sai de gente, a ouvir o apito da partida do trem que até hoje não teve volta… e, por fim, vale ressaltar o texto em que o autor se refere À Imagem Perdida, página 100, onde arranca do fundo do seu coração a saudade um tanto confusa, e talvez por isso ainda mais triste, pois tinha menos de 4 anos quando sua mãe morreu. Helena Rodrigues Porto, ainda tão jovem, partiu e deixou o menino sem poder contar com o abraço maternal, com a palavra aconselhadora. Com razão, diz o autor: “Hoje é que vejo a falta que ela me fez”.
Estação das Lembranças é, portanto, um livro que merece ser lido quase como um diário achado numa gaveta de um velho armário ou um bilhete resgatado de uma garrafa que boia no mar. São reminiscências que apresentam o talento literário do historiador e conta a História com a tonalidade do afetivo.
Vale a pena ler!
*Carlos Alberto de Assis Cavalcanti, natural da cidade da Pedra – PE, nasceu em 28 de fevereiro de 1955, é casado com a sra. Jaci Ferreira Lira Cavalcanti; Professor do Centro de Ensino Superior de Arcoverde – PE, área de Letras. Mestrado pela UFPE. Autor de: Itinerário Poético – poesias – Menção Honrosa no Concurso Nacional de Poesias da Academia Pernambucana de Letras [2001]; Em 2012 recebeu o Título de Cidadão Arcoverdense. É detentor de vários prêmios nacionais nas modalidades: poesia moderna, sonetos e trovas. Tem poemas incluídos em diversas antologias nacionais, por conta de premiações em Concursos Literários. Associado à UBE (União Brasileira de Escritores); Membro Correspondente de Academias em Cachoeiro do Itapemirim – ES, Ponta-Grossa – PR e Rio de Janeiro – RJ; Delegado Municipal da UBT [União Brasileira de Trovadores].
Fonte: https://enfoquecultural.com.br/
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